quinta-feira, 10 de abril de 2008

As Palavras que Nunca Te Direi - Cap 7

Capitulo 7


- E depois o que aconteceu?
- Não aconteceu nada. Ela meteu-se no carro e foi embora.

Enrolando o primeiro da dúzia de cigarros que fumava por dia, Chris Shepard olhava para o filho.

- Bem, isso é um desperdício, não achas?

Jack ficou surpreendido com a franqueza dele.

- Não, pai, não foi um desperdício. Eu me diverti ontem à noite. Ela era boa na conversa , e gostei da companhia.
- Mas não vais voltar a vê-la.

Jack bebeu um gole de café e abanou a cabeça.


- Duvido. Como disse, ela está aqui de férias.
- Por quanto tempo?
- Não sei. Não perguntei.
- Porque não?
- Porque é que está tão interessado? Eu saí para dar um passeio de barco com uma pessoa e passei uma noite agradável Não há muito mais que possa contar sobre o assunto.
- Claro que há.
- Como o quê?
- Como se gostaste do encontro o suficiente para começares a ver outras pessoas de novo.

Jack mexeu o seu café pensando. Então era isso. Embora tivesse habituado aos interrogatórios do pai ao longo dos anos, não estava com disposição para falar dessas coisas naquele momento.

- Pai, já falámos nisso antes.
- Eu sei, mas estou preocupado contigo. Passas muito tempo sozinho ultimamente.
- Não, não passo.
- Passas - disse o pai com uma ternura surpreendente - passas sim.
- Não quero discutir o assunto, pai.
- Eu também não. já tentei, e não funciona. - Ele sorriu e depois de um momento de silêncio,


Chris Shepard tentou outra abordagem.

- Então, como era ela?

Jack pensou durante um momento. Involuntariamente, tinha pensado muito nela antes de finalmente se deitar na noite anterior.

- Kate? Ela é atraente e inteligente. Cheia de charme, também, à sua maneira.
- É solteira?
- Sim. Está divorciada, e revelou que não tinha alguém especial.

Chris estudava a expressão do filho com atenção enquanto Jack respondia. Quando ele terminou, debruçou-se novamente sobre o café.

- Gostaste dela, não?
Olhando o pai nos olhos, Jack sabia que não podia esconder a verdade.

- Sim, gostei. Mas como disse, provavelmente não voltarei a vê-la. Não sei onde está instalada, e tanto quanto posso imaginar, até pode ter ido embora hoje.

O pai observou-o em silêncio por um momento antes de fazer a pergunta seguinte com cuidado.

- Mas se ela ainda estivesse e tu soubesses onde ela estava, achas que a verias de novo?

Jack desviou o olhar sem responder, e Chris debruçou-se sobre a mesa pegando no braço do filho. Mesmo aos sessenta anos as suas mãos eram fortes, e Jack sentiu-o a aplicar apenas a pressão suficiente para conseguir a sua atenção.

- Filho, já vão três anos. Eu sei que a amavas, mas tens de esquecer agora. Tu sabes isso, não sabes? Tens de ser capaz de esquecer.

Ele demorou algum tempo a responder.

- Eu sei, pai. Mas não é assim tão fácil.
- Nada que valha a pena é fácil. Lembre-se disso.


Acabaram de tomar café alguns minutos depois. Jack atirou alguns dólares para cima da mesa e seguiu o pai para fora do restaurante, em direção ao carro no estacionamento. Quando Jack finalmente chegou à loja, a mente borbulhava uma dúzia de coisas diferentes. Incapaz de se concentrar no trabalho de escritório , decidiu voltar às docas para acabar de arrumar o motor que começara consertar no dia anterior.

Jack tirou a caixa de ferramentas da parte de trás do carro e levou-a para o barco que usava quando ensinava mergulho. Enquanto trabalhava, pensou na conversa que tivera com o pai. Ele estava certo, claro. Não havia qualquer razão para ele continuar a sentir-se da maneira como se sentia, mas - e Deus era sua testemunha - não sabia como evitá-lo.

No dia anterior por volta daquela hora, lembrou-se, ele vira Kate descer as docas em direção ao Happenstance. Tinha reparado logo nela, nem que fosse por ela estar sozinha. Mulheres como ela quase nunca vinham sozinhas às docas.


Na hora não reparou, mas mais tarde à noite, enquanto arrumava o barco, percebeu que havia algo de estranho na maneira como ela o olhara da primeira vez. Era quase como se ela tivesse reconhecido alguma coisa nele que normalmente ele guardava enterrada bem no seu interior. Mais do que isso, era como se ela soubesse mais dele do que estava disposta a admitir.

Passearam de barco, desfrutaram da companhia um do outro e despediram-se finalmente. E aí terminava o assunto. Como dissera ao pai, não poderia entrar em contato com ela mesmo que quisesse. Naquele momento ela estava provavelmente a caminho de Chicago, ou então voltaria dentro de alguns dias, e ele tinha uma centena de coisas para fazer naquela semana.


O verão era uma época popular para aulas de mergulho, por isso estaria ocupado todos os fins-de-semana até o final de Agosto. Não tinha nem o tempo nem a energia para telefonar para todos os hotéis de Wilmington à procura dela, e mesmo que a encontrasse, que diria ele? Que poderia dizer que não soasse ridículo?

Com estas perguntas na sua mente, continuou a trabalhar no motor. Contente por ter levado menos tempo do que pensara necessário, recolheu as ferramentas, levou-as de volta para o carro voltando até Island Diving.


Um pouco antes das onze, acabou de fazer quase tudo o que precisava dirigindo-se para a parte da frente da loja. Ian, um dos seus empregados de verão, estava ao telefone quando Jack apareceu e entregou-lhe três post-its. Dois eram de distribuidores, e segundo as curtas mensagens rabiscadas, parecia que tinha havido uma trapalhada qualquer com algumas das encomendas que tinham feito recentemente. Outra coisa que era preciso resolver, pensou, dirigindo-se de volta para o escritório.


Jack leu a terceira mensagem enquanto caminhava e parou quando percebeu de quem era. Certificando-se de que não era um engano, entrou no escritório e fechou a porta atrás de si. Ligou o número e pediu a extensão correspondente.
Kate Austen lia o jornal quando o telefone tocou.

- Olá, Kate, e o Jack. Você telefonou?

Ela parecia contente com o seu telefonema.

- Oh, olá, Jack. Obrigada por retornar a ligacao. Tudo bem?


Ouvir a sua voz trazia de volta recordações da noite anterior. Sorrindo para consigo mesmo, tentava imaginar como ela estaria no seu quarto de hotel.

- Estou bem, obrigado. Estava trabalhando no escritório e recebi a sua mensagem. Que posso fazer por ti?
- Bem, deixei o meu casaco no barco ontem à noite e queria saber se o tinha encontrado.
- Não, não encontrei, mas na verdade não verifiquei assim tão bem as coisas. Deixou-o na cabine?
- Não tenho certeza.

Jack fez uma breve pausa.

- Bem, deixe-me ir até lá para ver. Volto a telefonar se o encontrar ou não.
- Isso não será pedir muito?
- De maneira nenhuma. Devo demorar apenas alguns minutos. Vai estar aí durante um tempo ainda?
- Sim.
- Volto a telefonar.

Jack deixou a loja, encaminhando-se rapidamente para a marina. Depois de subir a bordo do Happenstance, abriu a cabine e entrou. Não encontrando o casaco, voltou-se e olhou para cima para o convés superior, localizando-o por fim junto à popa, meio escondido debaixo de uma das almofadas. Pegou nele, certificou-se de que não estava sujo e depois voltou à loja.
De novo no escritório, rediscou o número. Desta vez Kate atendeu ao primeiro toque.

- É Jack de novo. Encontrei o seu casaco.

Ela parecia aliviada.

- Muito obrigada por ter ido procurá-lo.
- Não tem de quê.

Ela nada disse durante um momento, como se decidisse sobre o que fazer. Finalmente:

- Pode guardá-lo por um instante? Chegarei à sua loja dentro de vinte minutos para busca-lo.
- Com certeza.


Depois de desligar o telefone, ele recostou-se na cadeira, pensando no que acabara de acontecer. Ela ainda não foi embora, pensou ele, e vou poder vê-la de novo. Embora não compreendendo como é que ela poderia ter esquecido do casaco, se apenas trouxera duas ou três coisas, tornou-se perfeitamente claro naquele momento que ele estava mesmo contente por aquilo ter acontecido.

Kate chegou vinte minutos depois, usando shorts e uma blusa sem mangas decotada que lhe realçava maravilhosamente o corpo. Quando entrou na loja, tanto Ian como Jack ficaram olhando para ela. Reparando neles por fim, ela sorriu e chamou de onde se encontrava:

- Olá -, e Ian levantou a sobrancelha para Jack, como se a perguntar "O que é que andas escondendo?" Jack ignorou a expressão e dirigiu-se para Kate com o casaco dela na mão. Ele sabia que Ian iria examinar minuciosamente tudo o que ele fizesse e iria aborrecê-lo mais tarde com o assunto, mas não pretendia contar-lhe pormenores.

- Está como novo - disse, entregando-o quando ela se aproximou o suficiente para o receber. Enquanto esperara, Jack lavara o óleo das mãos e vestira uma das novas T-shirts que a sua loja tinha para venda. Não estava espetacular, mas estava melhor do que antes. Pelo menos agora estava limpo.

- Obrigada por ter ido buscá-lo - disse ela, e havia algo nos seus olhos que fazia com que a atração inicial que ele sentira no dia anterior começasse a surgir de novo. Jack coçou distraidamente um dos lados da cara.

- Foi um prazer. O vento deve tê-lo arrastado e escondido.
- Suponho que sim - disse ela com um ligeiro encolher de ombros, e Jack observou-a ajustar a alça da blusa com a mão. Não sabia se ela estava com pressa, e não tinha a certeza se queria que ela fosse imediatamente embora. Disse as primeiras palavras que lhe vieram à mente:

- Diverti-me muito ontem à noite.
- Eu também.

Os olhos dela encontraram os dele quando falou, e Jack sorriu delicadamente. Não sabia que outra coisa dizer - há muito tempo que não se encontrava numa situação daquelas. Embora fosse sempre bom com os clientes e pessoas estranhas em geral, isto era completamente diferente. Sentiu-se como se tivesse dezesseis anos de novo. Por fim foi ela que falou.

- Sinto-me como se lhe devesse alguma coisa por ter perdido o seu tempo com isto.
- Isso é ridículo. Não me deve nada.
- Talvez não por ter ido buscar o meu casaco, mas por ontem à noite também.

Ele abanou a cabeça.

- Que nada. Gostei muito que tivesse vindo.

"Gostei muito que tivesse vindo." As palavras rolaram pela sua cabeça imediatamente após tê-las dito. Há dois dias ele não conseguiria imaginar dizer isso a ninguém.
Ao fundo o telefone tocou, e o som arrancou-o dos seus pensamentos. Fazendo render o tempo, perguntou:

- Veio todo este caminho até aqui abaixo só por causa do casaco, ou ia fazer também um pouco de turismo?
- Na verdade não tinha planejado nada. E quase hora do almoço e ia comer qualquer coisa.


Ela olhou para ele, em espectativa - Alguma recomendação?

Ele pensou durante um momento antes de responder.

- Eu gosto do Hank's, lá em baixo perto do pontão. A comida é fresca, e a vista é inacreditável.
- Onde fica, exatamente?

Ele fez sinal por cima do ombro.

- Em Wrightsville Beach. Apanha a ponte até à ilha e vira à esquerda. Vê logo - é só seguir os sinais até o pontão. O restaurante fica mesmo lá.

- Que tipo de comida servem?
- Principalmente mariscos. Têm ótimos camarões e ostras, mas se quiser outra coisa para além de mariscos têm hamburgers e coisas do género.

Ela esperou para ver se ele acrescentava mais alguma coisa, e como ele não o fez, olhou para o lado, na direção das janelas. Ela continuava ali, ainda, e pela segunda vez em poucos minutos, Jack sentiu-se perturbado com a sua presença. O que ela tinha que o fazia sentir-se daquela maneira? Por fim, recompondo-se, falou.

- Se quiser, posso mostrar-lhe o lugar. Também estou com fome, e gostaria muito de levá-la até lá se quiser um pouco de companhia.

Ela sorriu.

- Gostaria muito, Jack.

Ele parecia aliviado.

- Meu carro está lá atrás. Quer que eu guie?
- Conhece melhor o caminho do que eu - respondeu ela, e Jack apontou o caminho, conduzindo-a através da loja até à porta dos fundos.


Caminhando ligeiramente atrás dele, de modo que ele não pudesse ver a sua expressão, Kate não conseguia conter um sorriso de satisfação.

O Hank's existia desde que o pontão fora construído e era frequentado tanto por moradores como por turistas. De ambiente fraco mas forte em caráter, era semelhante aos restaurantes sobre os pontões que havia em Cape Cod - chãos de madeira raspados e desgastados por anos de sapatos cheios de areia, janelas largas com vista para o oceano Atlântico e fotografias de peixes de troféu nas paredes.


A um canto havia uma porta que dava para a cozinha, e Kate viu pratos de marisco fresco serem colocados em tabuleiros, carregados por empregados e empregadas vestidos de shorts e t-shirts azuis estampadas com o nome do restaurante. As mesas e as cadeiras eram de madeira, com um aspecto sólido, e decoradas com os entalhes de centenas de visitantes. Não era um local que exigisse mais do que roupa de praia informal, e Kate reparou que a maioria das pessoas que ali estava parecia ter estado deitada ao sol a maior parte da manhã.

- Confie em mim - disse ele enquanto se dirigiam a uma mesa. - A comida é ótima, pouco importa o aspecto do lugar.

Sentaram-se a uma mesa perto do canto, e Jack empurrou para o lado duas garrafas de cerveja que ainda não tinham sido recolhidas pelos empregados. Com uma capa barata, os cardápios tinham o aspecto de não ser substituídos há anos. Olhando em volta, Kate viu que quase todas as mesas estavam ocupadas.

- Está apinhado - disse ela, instalando-se confortavelmente.
- Está sempre. Mesmo antes de Wrightsville Beach se tornar popular entre os turistas, este lugar era uma espécie de lenda. Ás sextas e sábados à noite nem sequer se consegue entrar, a não ser que se esteja disposto a esperar algumas horas.
- Qual é a atração?
- A comida e os preços. Todas as manhãs Hank recebe uma carga de peixe e camarões frescos, e normalmente consegue-se sair daqui sem se gastar mais de dez dólares, incluindo a gorjeta. E isso já contando com duas cervejas.
- Como é que ele consegue?
- Quantidade, suponho. Como disse, o lugar está sempre cheio.
- Então tivemos sorte em arranjar uma mesa.
- Sim, tivemos. Mas o pessoal da praia nunca se demora muito. Dão um pulo até aqui para comer qualquer coisa rapidamente e voltam para o sol.

Ela olhou em redor do restaurante uma última vez antes de consultar o cardápio.

- Então o que é que recomenda?
- Gosta de peixe?
- Adoro.
- Então sugiro-lhe o atum ou o golfinho. São ambos deliciosos.
- Golfinho?

Ele riu-se baixinho.

- Não o golfinho Flipper do filme. É dourada. É assim que a chamamos por aqui.
- Acho que prefiro o atum - disse ela com um piscar de olhos -, só para jogar pelo seguro.
- Acha que eu inventaria uma coisa dessas?

Ela falou numa voz de brincadeira.

- Não sei o que pensar. Lembre-se que só nos conhecemos ontem. Não o conheço suficientemente bem para ter a certeza absoluta do que você é capaz.
- Sinto-me ofendido - disse ele no mesmo tom, e ela riu. Ele riu também, e passado um tempo ela surpreendeu-o ao estender a mão através da mesa tocando-lhe no braço brevemente. Jack percebeu-se de repente que Sarah costumava fazer a mesma coisa para chamar a atenção.

- Olhe ali - disse ela, acenando com a cabeça em direção às janelas, e Jack voltou a cabeça. No pontão um velhote transportava o seu equipamento de pesca, tendo um aspecto completamente normal não fosse o grande papagaio empoleirado no ombro.

Jack abanou a cabeça e sorriu, sentindo ainda os vestígios do toque dela persistindo no seu braço.

- Temos de tudo por aqui. Não é bem a Califórnia, mas dê-nos mais alguns anos.
- Devia arranjar um pássaro daqueles para lhe fazer companhia quando fosse para o mar.
- E estragar a minha paz e sossego? Sortudo como sou, o bicho era capaz até de nem falar. Provavelmente passaria o tempo todo a guinchar e arrancaria parte da orelha da primeira vez que o vento mudasse.
- Mas iria parecer um pirata.
- Iria parecer um idiota.
- Oh, você é desmancha-prazeres - Kate disse com um franzir da sombrancelha fingido. Depois de uma breve pausa, ela olhou em volta.


- Então, eles aqui têm alguém que nos sirva, ou temos de ser nós a pescar e a cozinhar o peixe?
- Malditos yankees - resmungou ele enquanto abanava a cabeça, e ela riu-se de novo, perguntando a si mesma se ele se divertia tanto quanto ela. De algum modo ela sabia que sim.

Alguns instantes mais tarde a garçonete chegou e tomou nota dos seus pedidos. Tanto Jack como Kate pediram cerveja, e depois de transmitir o pedido à cozinha, trouxe duas garrafas para a mesa.

- Não há copos? - perguntou ela com uma sobrancelha levantada depois da garçonete ter ido embora.
- Não. Este é um lugar de classe.
- Percebo porque gosta tanto dele.
- Isso é um comentário sobre a minha falta de bom gosto?
- Só se se sentir inseguro sobre o assunto.
- Agora parece uma psiquiatra.
- Não sou, mas sou mãe, e isso faz de mim uma espécie de especialista em natureza humana.
- Não me diga?
- É o que digo ao Kevin.
Jack bebeu um gole da sua cerveja.
- Falou com ele hoje?
Ela acenou que sim com a cabeça e bebeu um gole também.
- Apenas durante alguns minutos. Estava de partida para a Disneylândia quando telefonei.

- Ele está gostando de estar com o pai?
- Sim, demais. James sempre foi bom para ele, mas penso que ele tenta compensar o fato de não ver Kevin muitas vezes. Sempre que o Kevin encontra o pai, espera algo de divertido e excitante.
Jack olhou para ela com curiosidade.
- Parece que não está assim tão segura em relação a isso.
Ela hesitou antes de continuar.
- Bem, só espero que isso não conduza à desilusão mais tarde. James e a sua nova mulher começaram uma família, e logo que o bebé tenha um pouco mais de idade, penso que vai ser muito mais difícil para James e Kevin estarem os dois sozinhos.

Jack inclinou-se para a frente quando falou.

- É impossível proteger os filhos das desilusões da vida.
- Eu sei isso, verdade que sei. É só que... - Ela parou, e Jack gentilmente terminou o seu pensamento.
- Ele é seu filho e não quer que ele se magoe.
- Exatamente. - Gotas de condensação tinham-se formado no exterior da sua garrafa de cerveja, e Kate começou a descolar o rótulo. Mais uma vez, era a mesma coisa que Sarah costumava fazer, e Jack bebeu outro trago de cerveja obrigando a sua mente a voltar à conversa em curso.

- Não sei o que dizer, exceto que se Kevin for de alguma forma parecido contigo, tenho certeza de que tudo correrá bem com ele.
- Que quer dizer?
Ele encolheu os ombros.


- A vida não é fácil para ninguém inclusive pra você. Também teve tempos difíceis. Ao vê-la vencer as dificuldades, ele aprenderá a fazê-lo também.
- Agora é você que parece um psiquiatra.
- Estou apenas dizendo o que aprendi crescendo. Eu tinha mais ou menos a idade de Kevin quando a minha mãe morreu de câncer. Observar o meu pai ensinou-me que tinha de seguir em frente com a minha vida, acontecesse o que acontecesse.
- O seu pai alguma vez voltou a casar-se?
- Não - disse ele, abanando a cabeça. - Penso que houve algumas vezes em que ele o desejou, mas acabou por nunca o fazer.

Então é daí que tudo vem, pensou ela. Tal pai, tal filho.

- Ele ainda vive aqui? - perguntou ela.
- Sim, vive. Tentamos encontrar-nos pelo menos uma vez por semana. Ele gosta de ficar de olho em mim.

Ela sorriu.

- A maioria dos pais gosta.

A comida chegou poucos minutos mais tarde, e continuaram a sua conversa enquanto comiam. Desta vez Jack falou mais do que ela, contando-lhe como era crescer no Sul, e a razão porque nunca iria embora dali enquanto tivesse a oportunidade de escolher. Também lhe contou sobre algumas das aventuras que tivera enquanto velejava ou mergulhava. Ela escutava, fascinada. Comparadas às histórias que os homens lhe contavam em Chicago - que normalmente se centravam em feitos de negócios - as histórias dele eram uma verdadeira novidade para ela. Falou sobre as milhares de diferentes criaturas do mar que vira nos seus mergulhos e sobre como era velejar através de uma tempestade que surgira inesperadamente e quase virara o barco.


Kate observava-o com atenção enquanto ele falava, contente por ele estar mais descontraído do que na noite anterior. Reparava ainda nas coisas que reparara na noite anterior - a cara magra, os olhos na luz lembrando mel, intensos, e a maneira fácil como se movimentava.


No entanto, havia uma certa energia na maneira como ele falava com ela agora, o que para Kate representava uma mudança atraente. Ele já não parecia medir cada palavra que dizia.

Acabaram de almoçar - ele tinha razão, a comida era deliciosa e beberam ambos mais uma cerveja enquanto as ventoinhas do teto zumbiam por cima deles. O calor aumentava no restaurante à medida que o Sol subia no céu, mas mesmo assim continuava cheio. Quando chegou a conta, Jack pôs algum dinheiro sobre a mesa e fez sinal para partirem.

- Está pronta?
- Quando você estiver. E obrigada pelo almoço. Estava ótimo.

Kate estava convencida, quando chegaram à porta da frente, que Jack queria voltar imediatamente à loja, mas ele surpreendeu-a sugerindo algo diferente.

- Que tal um passeio pela praia? Normalmente está um pouco mais fresco junto à água.


Assim que ela disse que sim, ele conduziu-a para um dos lados do pontão e começou a dirigir-se para as escadas, caminhando a seu lado. Ao chegarem à praia, viraram na direção da água, caminhando e livrando-se dos sapatos.
Em silêncio seguiam lado a lado enquanto Kate olhava em volta a paisagem.

- Já passou muito tempo nas praias desde que chegou? - perguntou Jack.

Kate abanou a cabeça.

- Não, só cheguei anteontem. É a primeira vez que venho à praia aqui.
- E que tal?
- É bela.
- É como as praias no Norte?
- Algumas, mas aqui a água é muito mais quente. Nunca esteve na costa do norte?
- Nunca saí da Carolina do Norte. - Ela sorriu para ele. - Um verdadeiro viajante do mundo, hem?

Ele riu-se baixinho.

- Não, não sinto que esteja a perder muito. Gosto disto aqui e não poderia imaginar um lugar mais bonito. Não há nenhum lugar onde gostaria de estar mais do que este. As palavras sairam automaticamente, receosa tratou de calar-se.


Depois de alguns passos, ele olhou para ela e mudou de assunto. - Então, quanto tempo vai ficar em Wilmington?
- Até domingo. Tenho de voltar para o trabalho na segunda-feira. Mais cinco dias, pensou ele.
- Conhece mais alguém aqui na cidade?
- Não. Vim sozinha.
- Porquê?
- Queria apenas vir conhecer. Tinha ouvido falar bem do lugar, e queria ver com os meus próprios olhos.

Ele admirou-se com a resposta dela.

- Passa normalmente as férias sozinha?
- Na verdade, esta é a primeira vez.

Passaram-se alguns momentos antes de Jack falar de novo.

- Posso fazer uma pergunta pessoal?
- Depende da pergunta.

Ele parou de andar e apanhou algumas pequenas conchas que lhe haviam chamado a atenção. Depois de as revirar algumas vezes nas mãos, entregou-as a Kate.

- Voce dissse nao ter alguém lá em cima, em Chicago certo?

Ela recebeu as conchas enquanto respondia.

- Não.

As ondas molhavam os pés enquanto permaneciam parados na água. Embora tivesse esperado aquela resposta, Jack não conseguia compreender como é que alguém como ela podia passar a maior parte das suas noites sozinha.

- Porque não? Uma mulher como você deve poder escolher à vontade os homens que quiser.

Ela sorriu, e começaram a caminhar lentamente de novo.

- Obrigada, é simpático da sua parte dizer isso. Mas não é assim tão fácil, especialmente quando se tem um filho. Há muitas coisas que tenho de levar em consideração quando conheço alguém. - Fez uma pausa. - Mas e você? Anda com alguém neste momento?

Ele abanou a cabeça.

- Não.
- Então é a minha vez de perguntar: porque não?

Jack encolheu os ombros.

- Creio que por não ter encontrado alguém com quem gostaria de sair regularmente.
- Só isso?

Era um momento de verdade, e Jack sabia. Tudo o que tinha de fazer era reafirmar o que dissera antes e isso poria fim ao assunto. Mas durante alguns passos nada disse.

A multidão da praia diminuía e dispersava-se à medida que se afastavam cada vez mais do pontão, e o único som agora era das ondas quebrando. Jack não olhou para ela quando falou, e Kate chegou-se mais perto para o poder ouvir por cima do rugir do oceano.

- Não, não é só isso. É mais uma desculpa. Para ser franco, nem sequer tenho tentado.


Kate observava-o com atenção enquanto ele falava. Ele olhava diretamente em frente como se estivesse a ordenar os seus pensamentos, mas ela podia pressentir a sua relutância à medida que ele continuava.

- Há uma coisa que não lhe contei ontem à noite.

Ela sentiu algo apertar-se dentro de si, sabendo exatamente o que vinha a seguir. Mantendo o rosto neutro, esperou.

- Também já fui casado - disse ele finalmente. - Durante seis anos. - Ele voltou-se para ela com uma expressão que a fez vacilar. - Mas ela faleceu.

- Lamento - disse ela baixinho. Jack parou de novo e apanhou umas conchas, só que desta vez não as entregou a Kate. Depois de as inspecionar distraidamente, atirou uma delas para as ondas que se aproximavam. Kate viu-a, desaparecer no oceano.

- Aconteceu há três anos. Desde então, não tenho tido interesse em conhecer ninguém, nem sequer de olhar para alguém. - Ela parou por um momento, embaraçada.
- às vezes deve sentir-se muito sozinho.
- Sinto, mas tento não pensar muito no assunto. Mantenho-me ocupado na loja - há sempre alguma coisa para fazer lá - e ajuda os dias a passar. Quando dou por mim, são horas de me deitar e começo tudo de novo na manhã seguinte.

Quando terminou, olhou para ela com um sorriso fraco. Pronto, dissera-o. Há anos que quisera contar a alguém além do seu pai, e acabara por fazê-lo a uma mulher que mal conhecia. Uma mulher que de alguma maneira conseguira abrir o que ele próprio fechara a sete chaves.
Ela nada disse. Assim que ele terminou, Kate perguntou:

- Como era ela?
- Sarah? - Jack ficou com a garganta seca. - Quer mesmo saber?
- Sim, quero - disse ela numa voz suave.

Ele atirou outra concha para as ondas, concentrando-se. Como poderia ele descrevê-la em palavras? Havia no entanto uma parte dele que queria tentar, queria que Kate, dentre todas as pessoas, compreendesse.


Ele suspirou e por fim voltou a cabeça. Kate estava a olhar para ele, à espera. Ele falou baixinho.

- Ela era tudo o que eu alguma vez quis. Era bonita e encantadora, com um sentido de humor sutil, e apoiava-me em tudo o que eu fazia. Tinha-a conhecido praticamente toda a minha vida - fomos para a escola juntos. Casámo-nos um ano depois de me ter formado na Universidade da Carolina do Norte. Estivemos casados durante seis anos antes do acidente, e foram os seis anos mais felizes da minha vida. Quando a levaram... - Fez uma pausa como se estivesse com dificuldade em arranjar palavras. - Não sei se alguma vez me habituarei a viver sem ela.

A maneira como ele falava de Sarah fez Kate sentir mais por ele do que poderia ter imaginado. Não era apenas a sua voz, mas a expressão no seu rosto antes dele a descrever - como se dividido entre a beleza das suas recordações e a dor de recordar. Embora as cartas tivessem sido comoventes, não a tinham preparado para aquilo. Não devia ter falado no assunto, pensou ela. "Eu já sabia o que ele sentia em relação a ela. Não havia qualquer razão para forçá-lo a falar no assunto."


Ela sentiu uma lagrima rolar e tratou de elimina-la antes que ele a visse.
Tinha de ver a reação dele com os teus próprios olhos. Tinhas de saber se ele estava preparado para deixar o passado para trás.
Depois de alguns instantes, Jack atirou distraidamente o resto das conchas para a água.

- Peço desculpa - disse ele.
- Porquê?
- Não devia ter falado dela. Ou tanto sobre mim mesmo.
- Não faz mal, Jack. Eu queria saber. Fui eu que lhe pedi para falar dela, lembra?
- Não era minha intenção falar naquele tom. - Ele falava como se tivesse feito algo de errado. A reação de Kate foi quase instintiva.


Aproximando-se dele, pegou-lhe a mão. Segurando-a lentamente na dela, apertou-a com suavidade. Quando olhou para ele, viu surpresa nos seus olhos, mas ele não tentou retirar a mão.

- Perder uma esposa, e algo que a maioria das pessoas da nossa idade nada sabe. - Ele baixou o olhar enquanto ela se esforçava por encontrar as palavras certas.

- Os seus sentimentos dizem muito sobre você. É o tipo de pessoa que ama alguém para sempre... Isso não é nada de que deva se envergonhar.
- Eu sei. É só que já passaram três anos...
- Um dia vai voltar a encontrar alguém especial. As pessoas que já estiveram apaixonadas uma vez normalmente apaixonam-se de novo. Está na natureza delas.

Ela apertou novamente a mão dele, e Jack sentiu o toque aquecê-lo. Por alguma razão ele não a queria largar.

- Espero que tenha razão - disse ele finalmente.
- Tenho. Eu sei destas coisas. Sou mãe, lembra-se?

Ele riu baixinho, tentando libertar-se da tensão que sentia.

- Lembro. E provavelmente é uma boa mãe.

Deram meia volta e encaminharam-se de volta conversando tranquilamente sobre os últimos três anos, ainda de mãos dadas. Quando voltaram para a loja, Jack estava mais confuso do que nunca. Os acontecimentos dos dois últimos dias eram tão inesperados. Kate já não era simplesmente uma pessoa estranha, nem apenas uma amiga. Não havia qualquer dúvida de que se sentia atraído por ela. Mas depois, pensou de novo, dentro de alguns dias ela iria embora, e ele sabia que provavelmente era melhor que assim fosse.

- Estás pensativo. - disse ela. Jack passou por uma mudança maior quando atravessavam a ponte em direção a Wilmington e Island Diving. Vai em frente, pensou ele. Diz verdadeiramente o que te passa pela cabeça.

- Estava pensando - disse ele finalmente, surpreendendo a si próprio -, que se não tivesse planos para hoje à noite, gostaria de te convidar para jantar.

Ela sorria.

- Estava com esperanças que dissesse isso.

Ele ainda estava surpreso consigo mesmo por ter feito o pedido quando virou à esquerda para a estrada que conduzia à loja.

- Pode vir a minha casa por volta das oito? Tenho algumas coisas a fazer na loja, e provavelmente terei de ficar até tarde.
- Está ótimo. Onde é que mora?
- Em Carolina Beach. Eu dou-lhe as indicações quando chegarmos à loja.

Entraram no estacionamento e Kate seguiu Jack até ao escritório. Ele escreveu as indicações num pedaço de papel. Tentando não parecer tão confuso como se sentia, disse:

- Não teras problema para encontrar o lugar, é só procurar meu carro estacionado à frente da casa. Mas se tiver algum problema, o meu número está aqui em baixo.

Depois de ela sair, Jack pegou-se pensando na noite que estava por vir. Sentado no seu escritório, importunavam-no duas perguntas sem resposta.


Primeiro, porque se sentia tão atraído por Kate?


E segundo, porque é que subitamente se sentia como se estivesse traindo Sarah?


CONTINUA...

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