quarta-feira, 18 de junho de 2008

As Palavras que Nunca Te Direi - Cap 21

Capitulo 21


Jack ficou olhando para a porta durante alguns segundos, esperando para ver se ela voltava. Mas como ela não voltou, amaldiçoou-se silenciosamente. Nada tinha acontecido como ele pensara.


Num minuto ele pedia-lhe para mudar para Wilmington, no minuto seguinte ela saía porta fora, querendo ficar sozinha. Como é que ele perdera o controle da situação?

Não sabendo que mais fazer, andou às voltas pelo apartamento. Quando chegou ao quarto dela, parou durante um momento antes de entrar. Depois de se dirigir para a cama dela, sentou-se, descansando a cabeça nas mãos.

Seria justo da parte dele pedir-lhe para partir? Certo, ela tinha uma vida aqui - uma boa vida - mas ele tinha certeza de que ela poderia tê-la também em Wilmington. Sob qualquer ponto de vista, seria provavelmente muito melhor do que a vida que teriam ali. Olhando ao redor, sabia que não havia maneira dele conseguir viver num apartamento. Mas mesmo que eles se mudassem para uma casa... teria uma vista? Ou viveriam num subúrbio, rodeados de uma dúzia de casas exatamente iguais?

Era complicado. E por uma razão ou outra, tudo o que ele dissera tinha saído mal. Ele não quisera que ela sentisse que ele estava lhe dando um ultimato, mas pensando bem, foi exatamente o que fizera.

Suspirando, perguntou a si mesmo o que fazer a seguir. De certo modo não pensava que houvesse algo que pudesse dizer quando ela voltasse que não conduzisse a outra discussão. Acima de tudo, ele não queria isso. Brigas raramente conduziam a soluções, e uma solução era o que eles precisavam naquele momento.

Mas se ele não podia dizer mais nada, que mais poderia fazer? Pensou durante um momento antes de finalmente decidir escrever-lhe uma carta, expondo o seu pensamento em linhas gerais.


Escrever o fazia sempre pensar mais claramente - especialmente durante os últimos anos - e talvez ela fosse capaz de compreender o que ele queria dizer.

Olhou para a mesa de cabeceira. Não viu nem caneta nem bloco de papel. Abriu a gaveta, vasculhou e encontrou uma esferográfica na parte da frente.

Procurando uma folha de papel, continuou a vasculhar - por entre revistas, dois livros de bolso e algumas caixas de jóias vazias - quando algo de familiar lhe despertou a atenção.

Um barco à vela.

Havia uma folha de papel, metida entre uma agenda fina e uma cópia antiga da Ladies Home Journal. Pegou nela, presumindo tratar-se de uma das cartas que ele lhe escrevera durante os últimos dois meses, mas depois deteve-se subitamente.

Como poderia ser?

O bloco de folhas tinha sido uma oferta de Sarah, e ele usava-o apenas quando escrevia para ela.


As suas cartas para Kate tinham sido escritas em papel diferente, algo que arranjara na loja.

Deu por si a conter a respiração. Rapidamente abriu um espaço na gaveta, retirando a revista e levantando lentamente não uma, mas cinco - cinco! - folhas de papel. Ainda confuso, pestanejou bastante antes de olhar para a primeira página, e ali, na sua letra, estavam as palavras:

Minha querida Sarah...

Oh, meu Deus. Passou para a segunda folha, uma xerox.

Dear Sarah...

A carta seguinte.

Dear Sarah...


- O que é isto - murmurou ele, incapaz de acreditar - Não pode ser... - Examinou de novo as folhas para ter certeza.

Mas era verdade. Uma era original, duas eram cópias, mas tratava-se das suas cartas, as cartas que escrevera a Sarah. As cartas que escrevera depois dos seus sonhos, as cartas que lançara do Happenstance e nunca esperara ver de novo. Num impulso começou a lê-las, e com cada palavra, cada frase, sentiu as suas emoções irromperem à superfície, surgindo todas simultaneamente. Os sonhos, as recordações, a sua perda, a angústia. Ele deteve-se.

A sua boca secou quando pressionou os lábios um contra o outro. Em vez de continuar a ler, olhava simplesmente para elas em estado de choque mal ouvindo a porta da frente abrir-se e depois fechar-se. Kate chamou:

- Jack, estou de volta. - Ela fez uma pausa, ele podia ouvi-la a caminhar ao longo do apartamento. Depois: - Onde é que estás?

Ele não respondeu. Não conseguia fazer mais nada senão tentar compreender como é que aquilo tinha acontecido. Como podia? Eram as suas cartas... as suas cartas pessoais.

As cartas para a sua mulher.

Cartas que não diziam respeito a mais ninguém.

Kate entrou no quarto e olhou para ele. Embora ele não o soubesse, o seu rosto estava pálido, os nós dos dedos brancos enquanto agarrava as folhas.

- Tudo bem? - perguntou ela, não percebendo o que estava nas mãos dele.

Por um momento, foi como se ele não a tivesse ouvido. Depois, erguendo lentamente os olhos, olhou furiosamente para ela.

Assustada, ela quase falou de novo. Mas não o fez. De repente, percebeu tudo ao mesmo tempo - a gaveta aberta, as folhas na mão dele, a expressão no seu rosto - e soube imediatamente o que tinha acontecido.

- Jack... eu posso explicar - disse ela rapidamente, baixinho. Ele parecia não ouvi-la.

- As minhas cartas... - murmurou ele. Ele olhou para ela, uma mistura de confusão e raiva.

- Eu...

- Como é que conseguiste as minhas cartas? - precisava saber, com um tom de voz que a fez estremecer.

- Encontrei uma na praia e...

Ele interrompeu-a.

- Encontraste?

Ela acenou que sim com a cabeça, tentando explicar,

- Quando estive em Cape Cod. Estava fazendo jogging e dei com a garrafa...

Ele olhou para a primeira folha, a única carta original. Era a que escrevera no início daquele ano. Mas as outras...

- E estas? - perguntou ele, erguendo as cópias. - De onde é que elas vieram?

Kate respondeu baixinho.

- Foram-me enviadas.

- Por quem? - Confuso, ele levantou-se da cama.

Ela deu um passo na direcção dele, estendendo-lhe a mão.

- Por outras pessoas que as tinham encontrado. Uma das pessoas leu a minha coluna...

- Publicaste a minha carta? - Ele parecia que tinha acabado de ser atingido no estômago.

Ela não respondeu durante um momento.

- Eu não sabia... - começou ela.

- Não sabias o quê? - disse ele em voz alta, a dor evidente no seu tom. - Que era errado fazer isso? Que isto não era uma coisa que eu queria que o mundo visse?

- Foram dar a praia, sabia que alguém a encontraria - disse ela rapidamente. - Eu não usei os nomes.

- Mas publicaste no Jornal... - A sua voz sumiu, com incredulidade.

- Jack... eu...

- Não digas nada - disse ele furioso. Olhou mais uma vez para as cartas, depois voltou a olhar para ela, como se estivesse a vê-la pela primeira vez. - Tu mentiste - disse ele, quase como se se tratasse de uma revelação.

- Eu não menti...

Ele não ouvia.

- Mentiste - repetiu ele, como se para consigo próprio. - E vieste à minha procura. Porquê? Para que pudesses escrever outra coluna. É disso que se trata?

- Não... não é absolutamente nada disso...

- Então o que é?

- Depois de ler as tuas cartas, eu... eu queria te conhecer.

Ele não compreendia o que ela estava dizendo. Olhava continuamente das cartas para ela e dela para as cartas. Tinha uma expressão dolorida.

- Tu mentiste - disse ele pela terceira vez. - Tu me usaste.

- Não usei...

- Usaste sim! - gritou ele, a sua voz ecoando no quarto. Lembrando-se de Sarah, segurou as cartas à sua frente, como se Kate nunca as tivesse visto antes. - Estas cartas são minhas, os meus sentimentos, os meus pensamentos, a minha maneira de lidar com a perda da minha mulher. Minhas, não tuas.

- Não foi minha intenção te magoar.

Ele olhou duramente para ela sem dizer nada. Os músculos dos seus maxilares estavam tensos.

- Tudo isto é uma farsa, não é? - perguntou ele finalmente, sem esperar que ela respondesse. - Tu pegaste os meus sentimentos por Sarah e tentaste manipulá-los e transformá-los em algo que tu desejavas. Pensaste que porque eu amava Sarah, também te amaria, não pensaste?

Sem querer, ela empalideceu. Sentiu-se subitamente incapaz de falar.

- Planejaste tudo isto desde o princípio, não foi? - Ele fez de novo uma pausa, passando a mão livre pelo cabelo. Quando falou, a sua voz começou a falhar. - Isto foi tudo uma armadilha...

Durante um momento ele parecia aturdido, e ela estendeu-lhe os braços.

- Jack, sim, admito que quis te conhecer. As cartas eram tão bonitas. Eu queria ver que tipo de pessoa escrevia cartas assim. Mas não sabia onde isso iria conduzir, não planejei nada depois disso.


Ela pegou-lhe na mão.


- Eu me apaixonei. Eu te amo, Jack. Tens de acreditar em mim.

Quando ela acabou de falar, as lagrimas corriam pelo rosto dela. Ele desprendeu a sua mão e afastou-se.

- Que tipo de pessoa e voce?

A pergunta magoou-a, e ela respondeu defensivamente:

- Não é o que estás pensando...

Jack prosseguiu, ignorando a resposta dela.

- Viste-te apanhada numa fantasia maluca qualquer...

Aquilo era de mais.

- Pára com isso, Jack! - gritou ela zangada, magoada com as palavras dele. - Não ouviste nada do que eu disse! - Enquanto gritava, sentia as lágrimas acumularem-se-lhe nos olhos.

- Porque havia de te ouvir? Tens mentido desde que te conheci.

- Eu não menti! Eu simplesmente nunca te contei sobre as cartas!

- Porque sabias que tinhas procedido mal!

- Não, porque sabia que tu não irias compreender - disse ela, tentando recuperar a serenidade.

- Compreendo muito bem. Compreendo que tipo de pessoa tu és!

Os olhos dela semicerraram-se.

- Não sejas assim.

- Assim como? Zangado? Magoado? Acabei de descobrir que tudo isto não passou de uma armacao e agora queres que eu pare?

- Chega! - gritou ela, com a sua raiva a surgir subitamente à superfície.

Ele pareceu ficar pasmado com as palavras dela, e ficou a olhá-la sem falar. Finalmente, com a voz falhando, ele mostrou-lhe as cartas de novo.

- Tu pensas que compreendes o que eu e Sarah tivemos juntos, mas não compreendes. Por mais cartas que leias - por mais que me conheças - tu nunca compreenderás. O que eu e ela tivemos era verdadeiro. Era verdadeiro, e ela era verdadeira...

Ele fez uma pausa, reunindo os seus pensamentos, olhando para ela como se ela fosse uma pessoa estranha. Depois, disse algo que a magoou mais do que tudo o que ele dissera até então.

- Nós nem sequer chegamos perto do que eu e Sarah tivemos.

Ele não esperou por uma resposta. Em vez disso passou por ela, em direção à sua mala. Depois de atirar tudo lá dentro, fechou-a rapidamente. Por um momento ela pensou em detê-lo, mas a observação dele deixara-a aturdida.

Ele estava de pé, levantando a mala.

- Estas - disse ele, segurando as cartas -, são minhas, e vou levá-las comigo.

Percebendo subitamente o que ele tencionava fazer, ela perguntou:

- Porque vais embora?

Ele olhou fixamente para ela.

- Eu nem sequer sei quem tu és.

Sem outra palavra, deu meia volta, atravessou a passos largos a sala e saiu porta fora.

Kate apenas sentou-se, de rosto inchado, tudo o que ela fez naquela noite foi chorar.



CONTINUA...

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